Um grito das trevas

O que você faz por Ribeirão das Neves? Esse é o tema do Festival Pá na Pedra de Artes integradas de 2013, mas por uma infeliz coincidência acaba sendo o tema da nossa carta de repúdio a esse ato preconceituoso e irresponsável do Diário Oficial de Minas Gerais nesse último 7 de Setembro de 2013.




Esta simples pergunta se dá não somente por este momento, mas para questionar pessoas as sobre o que fazem e o que podem fazer por Ribeirão das Neves, pois atitudes como esta infelizmente não são novidade. Todo jovem estudante ou qualquer trabalhador,  que precisa sair daqui para exercer suas funções sente isso na pele todos os dias, termos pejorativos como estes são utilizados por colegas de  trabalho, jornais e revistas a todo o momento.

O uso destes termos é frequente e acabamos nos acostumando com isso, mas quando vem de uma instituição estatal, ou seja, de quem não deveria, mas sempre virou as costas para Ribeirão das Neves, isso mexe com qualquer um muito mais, dói tanto que você entende por que a tantos anos a cidade não é preterida nas políticas públicas, dói tanto que você entende porquê aqui há tantos presídios, porquê poucos recursos são destinados para nossa cidade, chega a ser elucidador. E de repente você tem certeza que o Estado realmente nunca esteve ao nosso lado, é nesse momento que lembramos de Mano Brown quando se refere a isso, “eu recebi seu ticket, quero dizer kit, diz esgoto a céu aberto e parede madeirite”, mas como o próprio Mano Brown diz “de vergonha eu não morri, tô firmão eis me aqui”.

Esse mesmo trabalhador que sofre diariamente, na faculdade, no trabalho, nos locais em que vai, é o mesmo que fabrica o pão, que conserta o carro, que dirige o ônibus, que fabrica a roupa, que cuida do filho, de pessoas com condições econômicas mais favoráveis, inclusive dos próprios governantes, que consideram aqui a treva, o limbo. Essas pessoas que supostamente vivem nas “trevas” são as mesmas pessoas que frequentam e fazem parte do dia-a-dia de quem vive na “luz”, e são peças fundamentais na engrenagem econômica da cidade.

Preferimos acreditar nessas pessoas, nessas que vieram morar aqui por ser o único lugar capaz de recebê-las, pois a grande maioria de nós viemos de famílias pobres e somente aqui conseguimos comprar nossas casas e viver de forma decente e honesta. Sabemos o valor de cada gota de suor e de cada manhã que acordamos para trabalhar para conquistar a nossa dignidade e o nosso respeito, frases como esta merecem simplesmente repúdio e desprezo, o mais triste de tudo é ter que direcionar esta carta ao governo estadual, que deveria está ajudando a melhorar nossas vidas.
Por anos buscamos desmistificar os rótulos impregnados pelos meios de comunicação, que só produzem símbolos negativos acerca da cidade, e produzir símbolos positivos é muito mais difícil do que o contrário, e de repente nos deparamos com uma informação desrespeitosa de um órgão oficial do Estado.

Acreditamos que a principal riqueza de uma cidade é constituída por pessoas e temos certeza que somos fartos de coragem, esperança, dignidade e honestidade. Somos mais de 70% de negros (segundo o Censo IBGE 2010) e já acostumamos a lutar por tudo isso diariamente  não será dessa vez que vamos parar, de forma alguma queremos ignorar os problemas da cidade, mas escolhemos fazer algo por Ribeirão das Neves para que os nossos filhos não tenham que ouvir o que nós ouvimos todos os dias.

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